Para aqueles que estão estudando sobre a EAD, posto uma resenha do Prof. João Mattar sobre o livro de Moore e Kearsley, referência de pesquisas e concursos na área aqui no Brasil.
MOORE, M; KEARSLEY, G. A educação a distância: uma visão integrada. São Paulo: Thomson Learning, 2007.
Resenha por João Mattar, disponível em: http://blog.joaomattar.com/2007/09/21/a-educacao-a-distancia-uma-visao-integrada/
Este livro foi dado como brinde a todos os participantes doCongresso da ABED em Curitiba (2007), e como eu já tinha utilizado bastante as idéias do Michael Moore em meu ABC da EaD, decidi ler logo e não enrolar! Vou na verdade chamar a atenção para alguns temas que me interessam mais nesta resenha, e em alguns casos inclusive problematizá-los, sem a preocupação de cobrir exaustivamente todos os tópicos da obra.
Capítulo 1: Conceitos básicos.
Obviamente, é um capítulo conceitual, mas uma idéia me interessa de perto:
“Embora existam alguns especialistas em conteúdo que também possuem aptidão para elaboração de instruções e outros que têm conhecimento de tecnologia, muito poucos são igualmente especialistas nessas três áreas. É melhor que essas responsabilidades sejam assumidas por especialistas diferentes.” (p. 15).
“[…] não é possível que os criadores sejam também instrutores. De modo algum, de um ponto de vista pedagógico, isso é desejável, pois a instrução requer um conjunto especial de aptidões, diferentes daquelas dos criadores e dos especialistas na matéria, sendo mais bem realizado quando for o trabalho de pessoas que se dedicam ao estudo, ao desenvolvimento e à prática dessas aptidões.” (p. 17)
Os autores falam ainda de especialistas em avaliação. Esta idéia vai de encontro (contra) o conceito de aututor, que pretendo desenvolver em detalhes em um post nos próximos dias.
Capítulo 2: Contexto histórico.
Ao contrário de Otto Peters, que divide a história da EaD em 3 gerações (ensino por correspondência, novas mídias/universidades abertas, e EaD online), os autores apontam 5 gerações, que estudam em detalhe:
Primeira Geração: Ensino por Correspondência
Segunda Geração: Rádio e Televisão
Terceira Geração: Abordagem Sistêmica (incluindo as Universidades Abertas)
Quarta Geração: Teleconferência
Quinta Geração: Computador e Internet
Capítulo 3: O objetivo da educação a distância.
Este é um exemplo de um livro mal escolhido e/ou mal adaptado ao mercado brasileiro: a partir da página 50 e por várias páginas, inclusive em outros capítulos, são citados apenas exemplos de instituições e programas fora do Brasil, que em muitos casos não têm praticamente interesse nenhum para o leitor brasileiro, como educação militar norte-americana, high schools etc.
De qualquer maneira, o capítulo apresenta uma lista comentada de instituições que oferecem cursos a distância, boa parte das quais aparecem nos links de EaD deste blog.
Capítulo 4: Tecnologias e mídias.
Os autores defendem que as mídias de áudio e vídeo são subutilizadas em EaD, dentre outros motivos pois exigem conhecimento profissional especializado. Ao mesmo tempo, criticam a produção amadora de áudio e vídeo em função dos novos softwares que podem ser utilizados em computadores pessoais, indo novamente de encontro (contra) a idéia do aututor:
“Existem muitos poucos especialistas nas disciplinas que têm o tempo e o conhecimento para também serem excelentes produtores, portanto, em termos gerais, é melhor deixar esses aspectos técnicos de produção de materiais de áudio e vídeo para as pessoas que dedicaram suas carreiras à aquisição e manutenção de conhecimentos profissionais.” (p. 83)
Nas p. 84 e 85 são apresentados critérios para a utilização da tv como mídia.
Como já disse, vou analisar essas idéias nos próximos dias, em um post separado.
As áudioconferências são também negligenciadas em EaD, na opinião dos autores.
Na p. 94 são citados os ambientes Blackboard, WebCT, FirstClass, eClassroom, Web-4M e Groupware, e são também indicados sites onde essas ferramentas são comparadas.
Na p. 98 é apresentada uma tabela com os pontos fracos e fortes de diversas tecnologias, como texto impresso, gravações em áudio, rádio/televisão, teleconferência, e aprendizado por computador e baseado na web.
Capítulo 5: Criação e desenvolvimento de cursos.
Quando discutem os estágios da criação educacional, os autores defendem que é necessário saber o que se pretende transmitir para determinar o que se deve medir. Na p. 113, falam inclusive de “esboços daquilo que deve ser ensinado”. Isso parece óbvio, mas será? No caso da educação bancária, isso funciona bem - o objetivo da educação é simplesmente depositar conhecimentos no estudante, e então bastaria medir se ele os absorveu. Se o objetivo da educação é, ao contrário, ensinar a aprender, a equação não fica tão óbvia. Dependendo do que se quer “transmitir” (informações? aprendizagem? etc.), o conteúdo da EaD será mais ou menos dispensável.
Os autores defendem também que pouco deve ser deixado para uma tomada de decisão específica no estágio de implementação de um curso a distância. Isso também parece óbvio para determinado modelo, que aposta no alto grau de estruturação dos cursos. Para um modelo que preza a interação entre professores e alunos, e a construção de conhecimento daí derivada, é necessário imaginar que o design do curso não termine antes de o aluno ter acesso às aulas, mas que ele também se desenvolva em função do ritmo e dos interesses da turma. Além de que, com conteúdos mais flexíveis, sobre os quais o tutor possa interferir e que possa alterar, torna-se bem mais simples atualizar o conteúdo e as atividades de um curso, de um semestre ou módulo para o outro, e inclusive de testar diferentes materiais com os alunos.
Os autores diferenciam também dois modelos para o desenvolvimento de conteúdo: autor-editor e equipe, que incluiriam produtores da web, editores de texto, designers gráficos, produtores de rádio e televisão, profissionais de elaboração de instrução, bibliotecários e fotobibliotecários. Nesse sentido, não é mais o professor quem ensina, e sim um sistema. Deve-se lembrar que uma equipe como esta exige gastos em mão-de-obra, e, portanto, é bastante onerosa, além de implicar um longo tempo para o desenvolvimento de material, e a única maneira de compensar esse custo é atingindo escala, o que vai na direção da massificação da EaD, do uso e re-uso de materiais que muitas vezes já se tornaram obsoletos etc.
Na p. 116 são apresentadas as diversas partes de um guia de estudos.
É ainda ressaltada a importância de haver espaços em branco nos textos, o que facilita a interação do aluno com o conteúdo.
Novamente, os autores insistem que o potencial das audioconferências é subestimado.
São citadas ainda algumas ferramentas autorais, como Authorware, Toolbook, Director e Flash, e programas de edição na web, como Front Page e Dreamweaver, ou mesmo o Word e o Powerpoint, que em suas últimas versões podem salvar documentos em html. É ainda ressaltado o poder de desenvolvimento de conteúdo dos próprios LMSs.
São ainda citados sites com orientações para o desenvolvimento de materiais para a web e cursos online (criei então uma categoria de links, Design Online, para ampliarmos esses sites e inclusive os avaliarmos logo mais):
O capítulo ainda menciona o TEACH (The Technology, Education, and Copyright Harmonization Act), lei desde 2002 nos Estados Unidos, que atualiza a lei de direitos autorais em função da EaD. Além disso, na p. 134 são indicados alguns sites que tratam dessas questões.
Capítulo 6: O ensino e os papéis do instrutor.
Neste capítulo, graças a Deus, é destacada a importância do trabalho do instrutor em EaD. Eles seriam os olhos e ouvidos do sistema, no contato constante com os alunos:
“Os administradores que dificultam esse trabalho impondo uma carga muito grande - isto é, um grande número de alunos por instrutor - se arriscam a se responsabilizarem por um sério dano à qualidade de seu programa.” (p. 152).
Infelizmente, temos assistido a isso em muitas instituições que praticam EaD no Brasil, sem poder de reação dos professores e sem qualquer tipo de responsabilização dos administradores pela baixa qualidade desses cursos. Sempre fui a favor do Estado liberal, mas nesse caso já passou da hora de o MEC e/ou a ABED se mobilizarem.
O capítulo apresenta também pesquisas (p. 169-170) que mostram que, invariavelmente, os professores de EaD reclamam da falta de treinamento e de apoio.
O capítulo destaca também a importância do equilíbrio entre a apresentação de conteúdos, a interação dos alunos com o conteúdo, a interação aluno/instrutor e a interação entre os alunos.
A partir da p. 159, são descritas as funções do coordenador de local (ou pólo), que no V FUP-RJ alguém batizou ironicamente de “zelador”.
É também discutido o problema dos plágios em EaD e são mencionados 2 ferramentas para detecção de plágio: Plagiarism.orge Gatt.
Capítulo 7: O aluno de educação a distância.
O capítulo começa fazendo referência a um clássico da andragogia,The Adult Learner, de Malcolm Knowles.
Pesquisas indicariam que pessoas mais introvertidas seriam mais propensas à EaD.
É ressaltada a importância de intervenção e apoio quando o aluno de EaD começa a atrasar a entrega de suas tarefas. Sistemas de apoio, orientação e aconselhamento são, portanto, críticos em EaD. Além disso, é necessário que o contato dos alunos com esses serviços, inclusive os administrativos, seja claro e definitivo, sem perda de tempo e sem que o aluno fique sendo jogado de um para o outro, sem que suas necessidades sejam resolvidas.
Em muitos casos, o aluno de EaD não estuda faz tempo, então seriam necessárias atividades de Retorno ao Aprendizado.
A p. 193 apresenta vários sites de apoio ao aluno a distância. É ainda citado o Guide to Developing Online Student Services, que entretanto não tem sido atualizado (o que, aliás, é um problema do próprio livro, como ainda veremos).
Capítulo 8: Dirigentes, administração e políticas.
Neste capítulo, fala-se da importância dos bibliotecários especializados em EaD e de parcerias que possibilitem a utilização de bibliotecas de organizações presenciais. Na p. 209, são indicados sites de diversas bibliotecas que são utilizadas em EaD, alguns dos quais já fazem parte da categoria Pesquisa, nos links deste blog.
Os autores discutem também o potencial da integração entre a internet e videoconferências por satélite.
E aí voltam novamente a defender idéias opostas à do aututor: os materiais do curso precisam ser preparados antes de sua utilização (p. 213).
São também discutidos em detalhe diversos critérios para avaliar a qualidade de cursos on-line (p. 214-216), o que foge um pouco da miopia de que a qualidade da educação é apenas a empregabilidade: avaliação das atividades administrativas; quantidade e qualidade de consultas e matrículas; sucesso dos alunos; satisfação dos alunos; reputação do programa ou da instituição; e qualidade dos materiais do curso. É inclusive mencionado o importante estudo Quality on the Line: benchmarks for success in internet-based education, produzido em 2000 pelo Institute for Higher Education and Policy, que definiu marcos de referência para o sucesso da EaD baseada na Internet (algo que precisamos discutir por aqui!).
São também mencionados alguns prêmios que incentivam boas práticas na EaD (p. 216).
Além da TEACH é também citado o DMCA - Digital Millennium Copyright Act, de 1998. Novamente, aqui, repara-se que o livro está voltado ao público americano, pois não há menção nenhuma às Leis de Direitos Autorais e de Software nacionais, nem mesmo às européias. Ou seja, é um livro que não faz sentido adotar em um curso no Brasil, apesar de este parecer o seu propósito. É quase inacreditável, e um desrespeito com o leitor nacional, que uma editora, editores, consultores etc. produzam uma tradução desse tipo para o português, sem a mínima preocupação com o público-alvo do livro.
Capítulo 9: Teoria e conhecimendo da educação a distância.
São aqui discutidas as idéias de alguns teóricos da EaD, como Otto Peters, Michael Moore, Desmond Keegan, Randy Garrison etc. e mencionados Centros de Estudo, como o ACSDE - American Center for the Study of Distance Education.
Capítulo 10: Pesquisa e estudos de eficácia.
Neste capítulo são mencionados alguns jornais importantes de educação a distância, que fazem parte dos links na categoria EaD deste blog.
É também discutida a questão dos custos da EaD e indicado um site que faz cálculo de custos para um projeto de educação a distância online: Determining the Cost of Online Courses.
Na p. 269 há uma afirmação bastante interessante:
“Uma suposição básica na educação a distância é que raramente é possível oferecer programas que tenham ao mesmo tempo qualidade elevada e custo compatível, a não ser que sejam realizados em larga escala razoável.”
De um lado, podemos admitir que economia de escala seja importante para qualquer empreendimento, inclusive de educação presencial, então nesse sentido a afirmação não diz muita coisa com relação à EaD. Mas o que ela diz (ou esconde) em relação à EaD é um modelo de educação a distância (não o único), que vai de encontro (contra) o conceito de aututor. Em primeiro lugar, os autores afirmam que a EaD pressupõe um “investimento maciço” na produção de materiais, o que é discutível se pensamos que há material produzido suficiente de sobra para montar qualquer curso, e que o material pode ser produzido durante o próprio curso pelo aututor e inclusive pelos próprios alunos. Aqui, novamente, a EBaD (Educação Bancária a Distância) é o modelo por trás das afirmações - mas este não é o único modelo de EaD que existe, nem comprovadamente o de melhor qualidade ou custo. EBaD com produção intensiva de conteúdo pré-cursos leva realmente a uma equação na qual um número elevado de alunos precisa usar (na verdade, pagar) o material para que, a partir de certo momento, a instituição tenha seu custo fixo inicial coberto, e então possa começar a lucrar. Mas aí, no meio dessa equação, no desespero para torná-la positiva, já se esqueceu da educação - na verdade, antes mesmo do curso já se esqueceu da educação, pois aqui se está pensando apenas em depositar informações nos alunos. Quanto mais alunos, maior o depósito e maior o lucro! Os próprios autores afirmam:
“Em um bom sistema de educação a distância um grande número de alunos pode fazer o curso, e quanto mais alunos o fizerem, menores os custos médios do curso. É isso que significa economias de escala.” (p. 269).
Isso não pode simplesmente ser tomado, pelos profissionais de EaD, como uma lei imutável e indiscutível de mercado. Ela na verdade carrega consigo um modelo para muitos falido, com muitos pressupostos extremamente discutíveis, como, por exemplo: um curso de EaD significa um conteúdo produzido para ser consumido. Tudo isso discutirei em um post sobre o conceito de aututor, nos próximos dias.
Outro problema deste livro é que os comentários de diversos autores, distribuídos em cinza por diversas páginas, muitas vezes não indicam as fontes nem a data em que foram feitos, o que os torna descontextualizados e metodologicamente questionáveis. Um exemplo (como muitos outros) é o “ponto de vista” de Curtis Bons, na p. 274, na verdade uma previsão do futuro. Ao final do comentário, está escrito: “Fonte: Curtis Bonk, professor na Indiana University e presidente da SurveyShare, Inc.”. Ora, mas o professor não é a fonte: a fonte, que deveria estar indicada, pode ser um texto, um site, uma entrevista etc. - mas isso não é quase nunca indicado nesses comentários. Nem a data em que foram feitos (ou escritos?), o que os torna ainda menos aceitáveis e úteis ao leitor. Tudo se passa como se um caleidoscópio atemporal da EaD (para o público norte-americano) servisse para qualquer um, sem indicar em que local e momento as pessoas falam.
Capítulo 11: O alcance global da educação a distância.
Neste capítulo, os autores se propõem a “apresentar uma visão de conjunto do surpreendente campo de ação em escala mundial da educação a distância.” (p. 277). Mas o exemplo do Brasil deixa bem claro que não é apresentada visão de conjunto nenhuma. Sobre o Brasil, a “visão” se resume à apresentação do ProgramaProformação, para formação de professores pelo Governo Federal. O Programa é inclusive citado como exemplo da aplicação correta dos pressupostos do livro. Ora, mas falar apenas desse programa (todos o conhecem?) dá uma visão (de conjunto?) do que se faz em EaD no Brasil? O que devemos esperar então da visão de conjunto dos outros países?
Dentre outras instituições, é citada a Anadolu Üniversitesi, considerada pelos autores a maior do mundo em número de alunos (mas os números apresentados são de 2003!!). São também mencionados programas da Unesco e do Banco Mundial, e a African Virtual University, dentre outros.
Capítulo 12: Educação a distância está relacionada à mudança.
Na p. 312, temos mais um exemplo da falta de atenção dos autores, editores e revisores: há uma afirmação de que a previsão para o custo de um gigabyte de armazenamento cairia, em 2005, para 1 dólar (ora, mas o livro foi lançado no Brasil no final de 2007!!!).
Na página 317 há uma tabela com a previsão de alguns avanços tecnológicos, muitos deles “previstos” para 2004, 2005 e 2006.
Na p. 319, novamente uma opinião contrária ao conceito do aututor: com as videocâmeras pessoais, teria deteriorado a qualidade da produção de vídeos em EaD.
Na página seguinte, há uma longa defesa (poderíamos até dizer: um delírio!) da padronização para a EaD, que vai totalmente contra a idéia de Otto Peters da flexibilização necessária para a EaD neo e pós-fordista. A página toda é interessante, pois deixa claros novamente os pressupostos dos autores: objetos de aprendizagem descontextualizados, fragmentados, e economia de escala. A idéia de remixagem, que o Emílio discutiu em sua palestra no Congresso da ABED, é interessante mas não exatamente para sustentar um modelo conteudista de EaD, centrado na diminuição de custos da produção para gerar lucros na economia de escala, e sim para sustentar a co-produção contínua de conhecimento por professores e alunos, durante o próprio curso. Voltarei a isso no meu post dos próximos dias, sobre o aututor. Já fiz umaprovocação logo no início deste blog: padronização e criatividade podem caminhar na mesma direção?
Pelo menos, das p. 325 a 327, os autores apresentam uma crítica ao consumismo educacional e a uma visão consumista da EaD, à globalização, à própria padronização etc.
Apêndice: Fontes de informação adicional.
Este Apêndice é genial, pois lista (e comenta em alguns casos): Centros e Organizações (nos Estados Unidos!); Publicações Periódicas, Revistas e Diretórios; Conferências e Oportunidades de Treinamento; Programas de Pós-Graduação; Centros de Pesquisa e Organizações Internacionais; e Referências On-line. Todas já checadas, e as mais interessantes incorporadas aos links deste blog.
Por fim, um Glossário de termos educacionais e técnicos, e uma longa lista de Referências.
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