quinta-feira, 18 de março de 2010

O blog individual é sempre um texto coletivo

O blog individual é sempre um texto coletivo
Por Alex Primo in: http://www.interney.net/blogs/alexprimo

Quem são os autores de um blog individual? Antes de responder a frase anterior é preciso observar uma potencial contradição na formulação da frase: se o blog é individual, por que usar sujeito e verbo no plural? É justamente esse recurso retórico que nos faz pensar sobre o impacto dos comentários na constituição de um blog como um texto.

Assim que se abre o espaço para comentários, o blog passa a receber contribuições de terceiros (conhecidos ou não do blogueiro). Tais falas normalmente reagem ao que diz o post. Nestes casos, procuram estabelecer uma conversação com o "dono" do blog. Este, por sua vez, tem o poder de moderar, editar e/ou apagar os comentários recebidos. Ou seja, o blogueiro está hierarquicamente um nível acima de todos que submetem suas respostas. De toda forma, todas as expressões dos leitores que são publicadas transformam estes últimos em co-autores do texto que é o blog. Por vezes, os comentaristas estabelecem interações conversacionais entre si e eventualmente fogem do assunto proposto pelo post. Essas rupturas ou subversões temáticas não deixam de fazer parte do texto global. Já podemos então problematizar o próprio termo "dono do blog", tão comum na blogosfera, e até mesmo questionar os limites de seu controle.

Comentários podem incluir reações ao post, propor adendos, novas informações e links. Podem se dirigir ao blogueiro (elogios, ofensas, etc.), a um ou mais comentaristas ou a todos interagentes. Mas, independente de quem sejam os destinatários diretos ou indiretos e se mantém ou não a coerência temática e conversacional, cada comentário é uma expansão do texto do blog. Tais enunciados podem estar em consonância com a intenção inicial do blogueiro ou mesmo mostrarem-se como desvios daquela proposta. Mas revelam outras vozes que contribuem explicitamente na redação do blog. É importante apontar que um comentário pode ressignificar o post, acrescentando nuances ou revelando informações (machistas, por exemplo!) que não eram claras ou até mesmo pretendidas pelo blogueiro. Em outras palavras, a leitura de um comentário pode exigir a releitura/reinterpretação do post original. O próprio blogueiro pode rever seu texto inicial com outros olhos e talvez até sentir-se impelido a manifestar-se no espaço de comentários ou mesmo reeditar o post.

O texto do blog, portanto, é constituído pela produção do blogueiro (incluindo as imagens e vídeos que acrescenta, como também o próprio template, informações e links que circundam o post) e pela participação efetiva de comentaristas. Alguns destes participantes têm participação constante, criando inclusive uma expectativa no grupo de interagentes que já espera por suas reações.

Dito tudo isto, podemos então reconhecer que o texto do post, a unidade mínima do blog, não termina em seu ponto final, mas sim no último comentário publicado. É nesse sentido que o título deste meu post postula: todo blog, mesmo aqueles individuais, é um texto coletivo.

E podemos ir ainda além. Do ponto de vista da Análise do Discurso e do dialogismo de Bakhtin, além das vozes explícitas (do blogueiro, de cada comentarista), outras tantas podem ser ouvidas. Autores de livros, políticos, pais e outras tantas vozes podem ser encontradas em cada post, em cada comentário. E diversos são os discursos que atravessam e condicionam cada fala registrada no banco de dados do blog e em sua interface. Como se vê, o blogueiro não é o marco zero do conteúdo do post. Antes dele, muitos outros falaram e agora são ouvidos através do post/enunciado.

Para que isto não termine por aqui, quero te interpelar: o que você acha disso tudo? :-)

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Leitura recomendada: FOUCAULT, Michel. O que é um autor? Lisboa: Vega, 1992.

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