quinta-feira, 28 de maio de 2009

De quem é a culpa pela apatia?

Por que o aluno maceioense, especialmente da rede particular de ensino, não gosta (muito) de estudar?

(Autor: Osvaldo Epifanio)

 Tratar deste assunto requer certos contornos diante dos interesses históricos e sociais do aluno maceioense. Dentre eles, destacam-se sua condição financeira, a instituição privada de ensino, a família, a escola pública e a cultura de juventude. São tantas as teorias e pontos de vista sobre esse assunto que, certamente, os pesquisadores abarrotariam com debates acalorados seus livros e artigos. No entanto, o aluno da rede particular será o epicentro da discussão, uma vez que é o personagem-alvo deste artigo. Trata-se de um terreno pantanoso, delicado e polêmico, devido à seriedade do tema. Merece uma atenção redobrada pelo seu perfil social e pelos melindres próprios de uma classe econômica acostumada a padrões conservadores e intocáveis. São grupos trancados em suas instâncias políticas, fechados em seus propósitos e seguramente precavidos em relação a sua sobrevivência. Mas o que se busca não é um detalhamento completo de sua mobilidade e sim uma impressão de quem convive com garotos e garotas tão dinâmicos quanto ausentes. Uma contradição que se verifica em seus atos e desejos. São protagonistas de reações tão inconstantes como indefinidas, mesmo num dilatado universo de opções. Chega-se acreditar numa possível mudança de comportamento social, num tempo em tudo passa rapidamente, sem a exigência de maiores esforços. Uma época que se caracteriza pela velocidade com que eles (os alunos) mudam os estilos.  Nunca uma geração foi tão exposta como a atual.

Sua silhueta social advém de ambientes acostumados com o anacronismo. Mesmo endinheirados, não se livram do entorno empobrecido que cerca seus nichos elitizados. Não porque querem. Mas pela onda de pobreza que cresce no estado, conforme indica o Relatório da UNICEF (2008):.

 

Alagoas é um dos mais pobres da federação. Crianças de Alagoas são as mais pobres, desnutridas e têm o segundo pior IDI do país. A pobreza que o alagoano vê em muitas favelas da capital e do interior foi colocada no papel. O Estado tem o mais alto índice de crianças e adolescentes pobres do país – 78,4%, enquanto que o índice do Brasil é de 50,3%. Relatório da UNICEF, 2008.

E para se livrarem de tamanha contaminação, isolam-se em tribos bem definidas. Os que vivem em famílias empregadas no poder público; os filhos de políticos (aliás, uma classe, esta dos legisladores, sempre em ascensão, desejada e fervorosamente usurpada sem qualquer parcimônia) e de empresários tradicionais. Com isso, configura-se um miolo de luxo no meio de um cinturão de miséria vergonhosa.

         Essa grande contradição dá a tônica do modo de pensar dos alunos maceioenses. Um complexo populacional miserável que veste a imagem urbana (as favelas, os becos, as vilas, os bairros populares) e uma pequena nação dos bem-vestidos compartilha, há quase dois séculos, a mesma satisfação: o marasmo social, que enfraquece o surgimento de novas riquezas e impede o acesso às novas oportunidades de mercado. Seja pela permanente concentração de renda

[...] Alagoas continua tendo uma concentração de renda ainda maior que a do conjunto do país - qualquer que seja o indicador considerado. Apesar desta queda da desigualdade, a pífia performance econômica do estado faz com que sua proporção de pobres seja hoje praticamente a mesma que em 1992, antes do Plano Real (62,5% em 2004 contra 63,4% em 1992). Neste mesmo período, ela diminuiu de 40,8% para 31,6% no Brasil como um todo, e de 65,7% para 55,3% no Nordeste. (O Globo, 19 de janeiro de 2007).

 ou pelo vácuo técnico e intelectivo da formação profissional do alagoano . Como isso determina, portanto, a inteligência, ou qual a importância desse paradoxo na forma de refletir dos alunos?

Se há uma distância abissal entre esses dois grupos, nada mais natural que mostrem suas áureas. Um usa a prerrogativa de “joões-ninguém” para sensibilizar aqueles nutridos de fortunas e de poder (o voto, a dependência, o favor, a cultura do pedir); não se importa com a situação de penúria, por ser quilométrica sua lacuna de consciência crítica e de total ausência no usufruto dos benefícios sociais. O outro, embebido pela condição de dominadores, preocupa-se pouco em alargar uma vontade mais aplicada. Sabe que não precisa de mais nada, a não ser mostrar seu vigor financeiro e perpetuar suas heranças. Livro? Cultura? Saberes? Ciência? Raciocínio? Ora, tudo isso dá muito trabalho. Saber para quê, se já possui o mundo? A família o acolhe assim mesmo. Não se debruça pela madrugada nos estudos, porque simplesmente isso é desnecessário. Se a própria condição material já é luz, por que acender a lâmpada do sucesso? Seu bolso brilha por si mesmo. Numa região marcada pela cena política tosca e por uma economia capenga, ter dinheiro já é suficiente, “Ad populum” (o povo) não vai exigir tanto assim de seus imperadores, apenas: "panis et circensis" (pão e circo).

. Descobre-se, aqui, um ambiente promissor para a inércia intelectual. Por que se “matar nos estudos”, se o que interessa é manter o patrimônio? O progresso por aqui, nestas terras dominadas pelos espertos, seria um sonho a ser alcançado apenas com um novo descobrimento (sem Capitanias Hereditárias, é claro).

Na prática, a concentração de renda, o poder político, o coronelismo moderno são as meninas dos olhos de uma sociedade apenas obreira, escrava e trabalhadora. Nunca desenvolvimentista, ousada e criativa. Estudar para passar, não para transformar sua realidade. As escolas, em todos os níveis de ensino, não acordaram para a necessidade de formar um aluno voltado para o empreendedorismo, para as possibilidades de desenvolvimento.

Do poder público, com sua contínua e propositada incapacidade, espera-se muito pouco; dos empresários, apenas a reclamação de sempre sobre seus pífios resultados; da agropecuária (bois e cana-de-açúcar), nenhuma gota de esperança; dos políticos, a velha história em torno de suas ignomínias. Um cenário, então, desolador, ainda provinciano, que teima em não terminar jamais. Os que se libertam dessa concepção do atraso medieval, desaparecem daqui e vão em busca de outros mundos. Sabem que perderão a cabeça, a mente e o espírito desbravador se ficarem numa terra assolada pelo descaso.

Vê-se, mesmo assim, que algumas ilhas de excelência salvam o Estado. Graciliano Ramos, Nilze da Silveira, Melo Moraes, Jorge de Lima, Arthur Ramos, Pontes de Miranda, Aurélio Buarque de Holanda e tantos ícones do cérebro foram a prova de que sempre foi possível ser incrível. Mas até eles se fizeram longe daqui. Não por vontade própria, porque adoravam suas origens (e isso foi provado em suas biografias), mas pela antiga e eterna falta de provisão científica e cultural de uma terra desamparada. Suas histórias são recheadas de roteiros e domicílios europeus, americanos, cariocas e paulistanos. Alagoas? Apenas a Terra dos Coqueirais que ficou na memória, na infância. Se o Sul do país e a Europa tomassem à força esses heróis da inteligência (reivindicassem paternidade por terem reservado a eles o sucesso), restariam apenas os canaviais, as jangadas e o sururu nos desalmados recantos alagoanos. Que destino o nosso! Não pelo crustáceo, mas pela certeza do primitivismo.

Sem prescindir das intenções louváveis de alguns, o universo intelectual dos jovens estudantes está longe de ser uma glória. São os últimos nos testes nacionais de conhecimento (ENEM, ENEB, PROVÃO). Não porque são ignorantes. Pior: transformaram-se em seres indiferentes, desinteressados, inertes, sonolentos. Típico de uma história de vazio espiritual. A prova é que a cultura, os festejos tradicionais, os eventos empresariais e esportivos, os congressos científicos, teatros, livrarias, encontros nacionais de categorias profissionais, exposições, museus são uma raridade por estas terras. Um povo abandonado à própria sorte, sem ter o que fazer, ouvir e aprender. Como, então, exigir dele maiores esforços? A total ausência de uma vida intelectualizada torna rarefeito todo e qualquer projeto cognitivo. Sem as motivações no campo do desempenho mental não há como suprir as deficiências nos estudos. O resultado é uma situação provinciana, um rescaldo de uma narrativa de dominação econômica.

As escolas se abstêm do processo histórico, artístico, científico e cultural de Alagoas. O que deveria ser currículo assumiu o status de eventos sazonais. Tomaram o caminho contrário na formação do jovem alagoano. Datas, eventos, descobertas, historiografias, perfis biográficos são meros enfoques isolados, quase simples acidentes de percurso, em grades curriculares acanhadas. Não se revolvem em vida, pulsação, oxigênio.

Ora, não se aprende a viver uma realidade se ela é, simplesmente, uma imagem difusa, distante e intransponível no modo de ser e fazer de uma sociedade. As festas juninas, o carnaval, os folguedos, os artistas, a música, os compositores (com nomes consagrados por outras terras), cientistas, pesquisadores, a arquitetura, a arte parecem fantasmas, numa vida social monótona, repetitiva e previsível. Uma receita bastante primitiva e amadora na promoção de talentos. E não se vislumbra o diferente, o que é lamentável. Aqueles que ainda teimam em adotar uma feição de terra marcante são severamente perseguidos pela empáfia de uma elite acostumada com a mediocridade. Uns se protegem como podem, em heroicas atitudes e persistem em dá um tom mais dinâmico à vida cultural, mesmo sem espaços, incentivos ou reconhecimentos; outros largam tudo e fogem para os braços dos grandes centros. Apenas ouvimos a notícia de seus feitos.

Como sair, então, dessa lamacenta estrada de inocuidades?

Refazer-se enquanto é tempo, lutar, espernear, desbloquear a terrível contradição entre miséria e luxo, romper com a apatia e desfazer a farsa de uma história que ainda recebe os ventos da agonia do século XIX, com seus servos e senhores de engenho.

A casa grande emoldurava a beleza da paisagem típica da região. Algumas eram luxuosas, com móveis e objetos importados. A senzala, onde viviam os escravos amontoados; a bagaceira; a casa de purgar; o armazém (empório comercial) e outras edificações formavam um povoado. (Jair Barbosa Pimentel, em A história de Alagoas dos Caetés aos Marajás).

Não é a mesma paisagem de sempre? Não exatamente a física, mas a social, econômica e moral?

Para que se preocupar com a dureza do raciocínio? Queimar os neurônios é atrapalhar, castrar e desmoralizar as boas intenções da elite: associar-se à futilidade, eternizar a indiferença e promover a inaptidão.

Somam-se a isso as dificuldades das escolas em desenvolver a cognição de forma mais atirada. As instituições, também vítimas desse contexto histórico, não atingem suficientemente os níveis de progresso intelectual por não encontrarem políticas arrojadas de desempenho científico. São raros os estabelecimentos que mudam suas filosofias de ensino e partem para o desafio. A sensação é que a maioria está no mesmo patamar de interesses, seja pelas suas dificuldades estruturais e técnicas, ou simplesmente por terem que atender uma demanda de mercado própria das sociedades impassíveis. É o “status quo” que define o perfil de aprendizagem. Muito pouco para quem deseja desmoldurar-se das conservadoras linhas de ensino. Os instantes de mudanças são raros e não sinalizam transformações significativas. O que se vê é uma eterna compensação dos valores peculiares. As escolas agem isoladamente nas esferas da politização da aprendizagem e sobrevivem sozinhas, sem a universalização do conhecimento. Sem os conteúdos atitudinais, tão sonhados por Piaget (Psicólogo e filósofo suíço: “O principal objetivo da educação é criar indivíduos capazes de fazer coisas novas e não simplesmente repetir o que as outras gerações fizeram.") e por Wallon (teórico do desenvolvimento cognitivo: “só podemos entender as atitudes da criança se entendermos a trama do ambiente no qual está inserida”).

Há a acomodação das peças num jogo de resultados previsíveis. Para que, então, mexer numa estratégia que satisfaz a clientela. Não é muito arriscado ferir a ordem estabelecida? Tanto as escolas como os professores estão amarrados a essa perspectiva de empresa, já que as relações mercadológicas em Alagoas são pouco dinâmicas, menos exigentes e sem concorrência acentuada. Ousar seria perda de tempo e de dinheiro. E, realmente, ser cauteloso parece uma atitude satisfatória, condizente com a realidade e, mais importante, adaptável ao perfil existente de sociedade. Este é o pecado mortal na doutrina de mercado: “Se estamos ganhando o jogo, por que mudar o time?”. Essa máxima reduz o estabelecimento de ensino ao vício da subestimação. “[...] é preciso mudar a estrutura da escola, e principalmente a estrutura de sala de aula. A única certeza é que precisamos mudar de atitude, mudar de postura.” (José Geraldo Botura do Carmo. Conteúdo X formação de conceitos: uma mudança de atitude) .

O tempo, então, só amadurece as visões de mundo se utilizado com perícia e astúcia, nunca como um jogo de suposições. Ainda há espaço para uma mudança de mentalidade e a temporada de caça à imobilidade inicia-se com a coragem de refazer a própria história. O aluno maceioense, com um currículo inconsistente e desmembrado da cultura do empreendimento, não se entrega de corpo e alma aos estudos porque simplesmente não acredita na própria biografia. Sua capacidade de ousar sofre constantes ataques da frivolidade e permanente golpe da mediocridade política, econômica e cultural. Assim, torna-se indiferente às próprias aptidões e transforma-se num comovido agente da vaidade pessoal, tão característico de sociedades elitistas.

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