Nestes quatro primeiros meses de pesquisa com a Rede de Inovação para a Educação Híbrida (RIEH), muitas linhas de força começaram a se desenhar, revelando encontros, tensões e possibilidades que atravessam a educação básica pública no Brasil. Este blog passa a funcionar como um verdadeiro diário de pesquisa, um espaço cartográfico de registro vivo das impressões, deslocamentos e aprendizados que emergem no percurso investigativo.
Aqui trazemos nossas primeiras impressões a partir dos dados disponibilizados no Observatório da RIEH (https://rieh.mec.gov.br/observatorio). E como o Observatório é dinâmico, é importante destaca que a análise foi realizada a partir dos dados disponíveis hoje (18/12/2025).
Sendo assim, a "paisagem" que se desenha no Observatório da RIEH é a de um território em movimento, tecido por fluxos de políticas públicas, infraestrutura tecnológica, formação docente, produção de conteúdos e uso efetivo de ambientes digitais. Esse território não se oferece como um mapa pronto, mas como um plano em constante atualização, no qual indicadores numéricos funcionam como marcos provisórios de uma cartografia que acompanha a emergência da educação híbrida nas redes públicas brasileiras.
Linhas de força da RIEH
Os “grandes números da RIEH”, tal como organizados no Observatório, configuram uma primeira entrada cartográfica: programas estruturantes, núcleos de inovação, laboratórios multimídia, cursos, conteúdos e usuários aparecem como pontos de condensação de forças, indicando onde a política se territorializa e ganha corpo nas redes. Esses dados não se limitam a quantificar esforços; eles desenham intensidades – concentrações de ações, assimetrias entre redes e diferentes ritmos de implementação – que permitem acompanhar como a política nacional se traduz em práticas locais de educação híbrida.
Nesse plano, a RIEH se inscreve como desdobramento da Política Nacional de Educação Digital (Lei 14.533/2023) e da Política Nacional para Recuperação das Aprendizagens, fazendo com que cada indicador do Observatório remeta a um campo mais amplo de disputas em torno de inclusão digital, inovação pedagógica e equidade. A cartografia, aqui, não separa números e narrativas: entende os indicadores como traços de um processo em curso, em que sujeitos, tecnologias e normas se agenciam na reinvenção do cotidiano escolar.
Organização dos indicadores como mapa
A forma como o Observatório organiza os indicadores – “Grandes números da RIEH”, “Implementação da infraestrutura tecnológica”, “Produção de conteúdos” e “Acesso e utilização dos sistemas” – opera como um mapa conceitual que já faz uma leitura do fenômeno. Cada eixo corresponde a uma região da cartografia:
- a infraestrutura tecnológica marca o chão material da política (núcleos, laboratórios, conectividade);
- a produção de conteúdos desenha os repertórios pedagógicos que circulam na rede;
- o acesso e a utilização evidenciam os modos como professores e estudantes habitam esses ambientes;
- os grandes números articulam o conjunto, oferecendo uma visão de escala nacional.
Numa perspectiva cartográfica, esses eixos não são caixas estanques, mas linhas que se cruzam e se dobram: a mesma escola pode aparecer simultaneamente como ponto de expansão da infraestrutura, foco de intensa produção de recursos educacionais digitais e, ao mesmo tempo, como lugar de baixa apropriação docente, produzindo linhas duras e linhas de fuga na política. O Observatório, ao disponibilizar essas camadas, constitui um plano de consistência no qual o pesquisador pode traçar percursos singulares, conectando redes, estados, programas de formação e padrões de uso em múltiplas combinações.
Cartografar fluxos, não estados
Assumir a cartografia como método implica deslocar o olhar da busca por “resultados finais” para o acompanhamento dos movimentos que atravessam a RIEH. Os indicadores de cursos, conteúdos disponíveis, usuários cadastrados e atividades realizadas, por exemplo, quando lidos longitudinalmente, permitem observar acelerações, estagnações e reconfigurações das redes, revelando momentos de intensificação da política e zonas de rarefação.
Nesse processo, a própria categorização “concluído”, “em andamento” ou “não ativado” atribuída a ciclos, redes ou eixos funciona como marcador de trajetórias, e não como ponto de chegada. A cartografia acompanha esses estados como dobras provisórias de um campo em fluxo, permitindo problematizar por que certos entes federativos avançam na institucionalização da educação híbrida enquanto outros permanecem em suspensão, quais arranjos formativos sustentam o uso mais denso dos ambientes virtuais e em que medida a infraestrutura instalada se converte (ou não) em práticas pedagógicas inovadoras.
Entre infraestrutura, conteúdos e usos
Os dados do Observatório que descrevem a implementação de núcleos de inovação e laboratórios escolares multimídia sinalizam uma aposta forte na materialidade da transformação digital, mostrando a expansão de espaços equipados para práticas híbridas em diversas redes. Ao lado disso, os números relativos à produção de recursos educacionais digitais e à oferta de cursos em ambientes virtuais indicam a constituição de uma ecologia de conteúdos que ultrapassa o livro didático e se articula com a cultura digital contemporânea.
Porém, é no eixo “Acesso e utilização dos sistemas” que a cartografia encontra um ponto crucial de análise: taxas de acesso, engajamento em cursos, participação em atividades e perfis de usuários revelam como esses dispositivos são efetivamente habitados por professores e estudantes. A distância, às vezes evidente, entre a robustez da infraestrutura e a intensidade de uso explicita linhas de tensão que passam pela formação docente, pela gestão do tempo escolar, pelas condições de conectividade dos estudantes e pelas culturas institucionais que podem favorecer ou bloquear a experimentação pedagógica.
A cartografia como dispositivo político-pedagógico
Ao compilar e tornar públicos os indicadores da RIEH, o Observatório se institui como um dispositivo cartográfico que permite a gestores, docentes e pesquisadores reconfigurar o olhar sobre a educação híbrida no Brasil. Em vez de oferecer apenas um painel de resultados, o site abre um campo de problematização, em que mapas, gráficos e números podem ser lidos como pistas para narrar histórias de redes, escolas e sujeitos que se aproximam da cultura digital sob condições muito desiguais.
Nessa perspectiva, cartografar a RIEH a partir dos dados do Observatório é acompanhar como a educação híbrida se faz e se desfaz nos interstícios entre lei e prática, entre infraestrutura e uso, entre cursos ofertados e aprendizagens efetivamente produzidas. É tomar os indicadores como convites a novas linhas de pesquisa (qualitativas e quantitativas) que possam ir do plano nacional às micropolíticas do cotidiano escolar, alimentando a formulação de políticas públicas e práticas pedagógicas mais sensíveis às diferenças regionais, sociais e culturais que atravessam a escola pública brasileira.

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